domingo, 10 de julho de 2011

Não saia da cama

Dizem que a melhor maneira de induzir alguém a fazer algo é dizer-lhe para não fazê-lo. Mas e se sua vida estivesse em jogo?

A criança se enrolava no cobertor, tentando se proteger da tentação. Se dormisse estaria a salvo, mas como poderia dormir se sabia que estava sendo observada? Crianças não são maduras o suficiente para saber que se não sentissem medo estariam seguras. E acredito que mesmo que se soubessem disso só sentiriam mais medo. Terror atrai terror. Isso nos impede de não sentir medo. Podemos deixar certos seres irritados se nos convencermos de que eles não existem. Afinal, só querem se manifestar e conseguir um lugar de importância nesse mundo.

Sentia a pior das sensações. O sono não vinha e parecia que era a única pessoa no mundo. Aliás, não a única. Se fosse a única poderia estar tranquila, pois sua companhia não lhe agradava nem um pouco. Pelo contrário. A fazia sofrer. Estava tremendo e começava a suar, porém teria de aguentar o resto da noite assim.

Dez minutos se passaram para nós, mas para ela estes se pareciam com horas e mais horas. Até que começou a ouvir passos: pah-pah-pah. O piso de madeira rangia melancolicamente a cada toque daqueles leves, quase imateriais, pés. A criança ainda suava e muito. Seu lençol estava enxarcado, o que tornava tudo pior. Sentia uma imensa vontade de levantar da cama e respirar um pouco de algo que não seja aquele escasso e incômodo ar quente que ainda restava debaixo do seu cobertor, mas sabia que se colocasse a cabeça pra fora veria a mulher. Porém, por um instante conseguiu pensar: "fantasmas não existem". Aproveitando-se daquele momento de ceticismo, saltou da cama e correu pelo corredor em direção a cozinha.

O piso da cozinha era gelado e isso a revigorou. Estava mais tranquila e começava a acreditar que seu medo não tinha fundamento algum. Amadurecera durante cerca de cinco minutos, não mais que isso, pois depois de tomado um copo de água a criança voltou para o quarto. Mas não antes de dar um abraço caloroso de boa noite definitivo em seus pais.

Seguiu até o fim do corredor e entrou na porta a esquerda. Os pais dela estavam dormindo profundamente. Deu um beijo no rosto de cada um e voltou para o seu quarto. Chegando lá o medo e a angústia envolveram-lhe novamente. Estava escuro e sabia que tinha feito a maior besteira de sua vida: acreditar na inexistência de um espírito. O mesmo havia atormendado-lhe várias e várias noites e isso não poderia ter sido em vão. Ela teria que pagar por essa insolência.

Correu para a cama e enrolou-se até a cabeça com o cobertor e tentou dormir. Depois de alguns minutos o ar acabou novamente e, num momento de fraqueza psicológica, colocou o nariz para fora. Não podendo evitar de deixar um olho a mostra, olhou para a cadeira ao lado de sua cama e deparou-se com ela. A garota de cabelos escuros parecia não notar sua presença. Estava sentada olhando para o vazio, mergulhada em devaneios. Então virou-se para a criança e sussurou algo. A voz baixa e fria parecia ecoar pelo quarto: "eu não existo?".

A criança começou a tremer, sentiu um arrepio insuportável por todo o corpo. Enrolou-se no cobertor instantaneamente, pensando que estaria protegida. Passados alguns segundos virou-se para o outro lado e deu de cara com a garota de cabelos escuros deitada de frente para ela. Então envolveu a criança em seus braços suavemente. Logo acalmou-se, pois instantes depois seu coração parou de bater.

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