domingo, 13 de fevereiro de 2011

O último vulto

Estava escuro... Mergulhado em um terrível devaneio, vi a garota de cabelos escuros... Seus gritos de agonia eram tão altos que de súbito pensei em sentir pena da pobre criança que sofria, mas instantes depois caí em gargalhadas...

De volta à escuridão, olhei o relógio. Este marcava meia noite, uma hora não muito auspiciosa, mas nunca fui o tipo de sujeito que ligava para superstições idiotas. Tentei voltar a dormir, mas fui acordado por sussurros. Aquela voz fraca e gélida sussurrava sem parar, como se não quissesse que eu esquecesse que ela estava lá. "Ria", era o que dizia. Eu só podia estar ficando louco. Levantei da cama e caminhei até o banheiro.

No momento em que liguei a torneira para lavar o rosto, comecei a tossir. Não fazia sentido, não estava resfriado, não havia nada entalado na minha garganta. Eu simplesmente tossia... Quando a tosse estava para sessar senti uma mão tocar meu pulso. Era uma mão fria, pálida, sem vida... Me virei para olhar e me deparei com o vazio. Nada havia ali, a não ser o que eu já estava acostumado a ver todos os dias. Nada fora do comum, por enquanto...

Quando virei para o espelho meus olhos se arregalaram. A garota de cabelos escuros me espreitava do lado de dentro do espelho. Aquele olhar de agonia, tal como o deixei na noite em que a enterrei, me fuzilava. Sem piscar, paralisada... Podia contar todas as minha pulsações, o silêncio contribuia para meu terror, eu não conseguia me mexer. O que durou apenas três segundos, pareceu para mim uma eternidade. Talvez é isso que sentimos quando estamos prestes a morrer. O passado vem à tona. E junto com ele, todas as coisas horríveis que fizemos. Não, as boas escolhas nunca são consideradas, um tanto quanto injusto, não é?

Os lábios brancos e secos da garota de cabelos escuros se mexeram e pude ouvir uma voz rouca e baixa dizer, lentamente, dando ênfase a cada letra e dentre as lacunas cada grito, cada dor que a ela causei: "Ria". Dizendo isso, o espelho começou a embassar e a criança tornou-se nada mais que um vulto. Não um vulto qualquer, mas o vulto da garota de cabelos escuros. O último vulto que tive a infelicidade de ver...

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